Manual dos Monstros: para que serve e como consultar
O Manual dos Monstros é um catálogo completo com as criaturas que você precisa para criar sua campanha. É um livro voltado para o mestre e é bom que seja assim. Como jogador, consultá-lo antes, durante ou depois das partidas pode acabar sendo um spoiler de parte da história que você conheceria de forma mais interessante durante o jogo.
Ao mestrar, você pode utilizar as criaturas encontradas nele de três formas:
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Uma referência prática e rápida das estatísticas, descrições e atributos de que precisa para rolar os dados e fazer o jogo acontecer. Você planejou a sessão, planejou os encontros e busca aí as informações de que precisa.
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Um ponto de partida para uma aventura ou campanha. Gosto dessa opção pois serve bem para tornar o jogo mais imersivo, pois contaminado com o enredo cultural daquela espécie, etnia, criatura, vilão ou monstro. É útil também caso você queira ou precise de algumas ideias para usar como inspiração para começar a pensar o mundo que está criando.
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Uma base para criar um monstro novo ou adaptar um já existente. Imagine que você pretenda abrasileirar seu jogo e incluir o Saci-Pererê, a Mula Sem Cabeça ou o Curipira. O lore em D&D é marcado pelo contexto sociocultural em que foi escrito (primeiro mundo) e por isso não vai representar nossas referências, para isso precisamos criar e adaptar. Fazer isso é fácil: você pode simplesmente usar as estatísticas de algum monstro parecido ou tomá-las como ponto de partida para criar o seu.
Sobre esse último ponto, para que não fique dúvidas, o próprio Manual dos Monstros é claro nesse sentido:
Naturalmente, você pode fazer com estes monstros o que quiser. Nada do que dizemos aqui tem a intenção de reprimir sua criatividade. Se os minotauros no seu mundo são construtores de barcos e piratas, quem somos nós para questionar? É o seu mundo, no fim das contas (p. 4, grifo meu).
Sendo um catálogo, você se verá utilizando muito o sumário e pulando direto para a página que te interessa. O tópico sobre toda criatura começa com uma descrição geral e sua contextualização no mundo. Mas o que você mais vai usar no dia-a-dia da mestragem são as fichas de cada monstro. Para te auxiliar nisso, tomemos um exemplo.
A wild Ciclope appears
Imagine que você queira incluir um Ciclope em seu jogo. Na página 43, você encontrará que eles preferem se isolar de outras raças, que prezam por defender seu território, que são não-religiosos, “simplórios” e “estúpidos” (SIC). Toda essa descrição é essencial para que você possa tornar o encontro com essas criaturas mais do que uma “lutinha”.
Mas no calor da batalha o que você precisa mesmo é da ficha do monstro:
A ficha contém descritores e estatísticas importantes para que você possa planejar as sessões e adequar a dificuldade para o nível dos personagens dos jogadores. As informações e detalhes são muitos e podem ter mais implicações do que parece à primeira vista. Vamos tentar entendê-los ponto a ponto:
Uma observação
Eu farei aqui um exercício de interpretação de um exemplo prático, mas você encontra uma descrição completa de cada informação presente nas fichas na introdução do livro, tópico "Estatísticas", a partir da página 6.-
Tamanho: um Ciclope é uma criatura “Enorme”. Na tabela da página 6 deste mesmo livro você encontra que ela vai ocupar, então, um espaço de 4,5m x 4,5m. No livro do jogador (p. 191) você encontra uma discussão mais completa das implicações que o tamanho pode ter em uma batalha.
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Tipo: Um Ciclope é um “gigante”. Isso não nos diz muita coisa à princípio, mas pode ser relevante caso você tenha uma magia ou item mágico com efeitos especiais sobre esse tipo de criatura.
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Tendência: caótico e neutro. Novamente, isso nos diz algo de seu alinhamento, mas a informação pode ter também efeitos práticos caso uma magia ou item afete de forma particular criaturas caóticas, por exemplo.
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Classe de armadura: 14. Isso significa que, para acertar um Ciclope, você precisa tirar 14 ou mais em uma jogada de ataque (para só depois, se acertar, fazer o rolagem do dano). Para entender mais sobre isso, leia o Livro do Jogador: “Como jogar” (p. 6–7) e o capítulo 9: “Combate” (a partir da página 189).
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Pontos de vida: 138 (12d12 + 60). 138 é um valor médio, que você pode utilizar caso queira ser prático. Se quiser e tiver tempo de sobra, você pode também fazer a rolagem de dados para determinar os pontos de vida (12d12 + 60). Eu sinceramente não vejo porque não utilizar o valor médio. Facilite sua vida, você já tem muito a gerenciar.
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Deslocamento: 9m. É a distância que a criatura percorre em um turno.
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Valores de habilidade (Força, Destreza, Constituição, etc.). Você provavelmente só vai precisar conferir os modificadores (+6, +0, +5) em testes de resistência e afins. Para os ataques, os modificadores já são considerados na descrição mais abaixo.
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Sentidos: Percepção passiva 8. Caso queira passar sem ser detectado perto de um Ciclope, um personagem precisaria tirar mais do que 8 no teste de furtividade.
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Idiomas: Gigante. É a língua que ele fala, caso queiram conversar.
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Nível de desafio: 6. Esse é um valor essencial. Simplificando, significa que um único Ciclope é um desafio adequado (nem banal, nem mortal) para um grupo de 4 personagens de 6º nível. Leia mais sobre isso na página 9.
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Traço especial: Percepção de profundidade ruim: A descrição fala por si só. Ciclopes são um pouco míopes.
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Ações: Aqui são descritos os ataques possíveis da criatura. Basicamente, um Ciclope pode atacar 2x com a clava ou atirar uma pedra à distância.
- Clava grande: Nas jogadas de ataque com a clava é aplicado o modificador +9. Isso já inclui os modificadores de habilidade e tudo mais. Basta jogar os dados, somar 9 e comparar com a CA dos personagens alvo. Caso seja igual ou maior, o ataque acertou. O dano médio desse ataque é 19 (novamente, já incluído tudo que importa). Você pode usar esse valor ou fazer a rolagem dos dados (3d8 + 6).
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Rocha: Ataque à distância, o Ciclope atira uma pedra, a lógica é a mesma. O que pode gerar dúvida é a distância do ataque: “9/36m”.
O que significa? O Livro do Jogador responde:
Alguns ataques à distância (…) têm duas distâncias. O menor número é a distância normal, e o maior número é a distância longa. A jogada de ataque tem desvantagem quando o alvo está além da distância normal, e você não pode atacar além da distância longa (p. 195).
Descrever é melhor do que nomear
Todos esses dados e estatísticas são importantes, não há dúvida, mas uma partida de RPG pautada apenas nesses descritores técnicos pode rapidamente se tornar muito enfadonha.
Da forma como vejo, ao apresentar e lidar com criaturas durante as partidas há um dilema entre nomear e descrever. Avalie: que tipo de narração você prefere?
- “Você e seu grupo estão atravessando a densa floresta quando avistam um Ciclope à frente. O que vocês fazem?”
- “Randal, o patrulheiro, percebe as árvores se movendo no alto da colina. Algo grande deve estar por ali. Após ponderar os riscos, decide checar. Tomando cuidado para não fazer barulho, se move cuidadosamente entre as árvores até que espreita uma criatura bizarra: um ser humanoide enorme, corpulento, da altura de talvez três homens, está agachado enquanto devora algum animal. O patrulheiro, assustado, recua para relatar a seu grupo, mas se atrapalha e pisa em um graveto. A criatura parece ouvir e se volta a ele, que percebe que o gigante tem apenas um olho (com aspecto um tanto torpe, mas ameaçador)”.
Nas duas opções, os jogadores tem todas as informações para saberem que se trata de um “Ciclope” e para tomarem suas decisões. A diferença é que na primeira o nome do monstro foi apresentado rápido demais e, pior, como se apenas ele bastasse para preencher e dar colorido à imaginação do grupo.
Como argumentei nas postagens sobre os outros livros, acho que o D&D 5e é uma ótima versão e apresenta o que você precisa saber de forma muito prática, mas, sem um esforço de descrição, narração e interpretação, você pode acabar jogando apenas um “jogo de lutinha”. Como puderam ver acima, os monstros do universo Dungeons and Dragons podem ser muito mais do que isso.